27.01.2023

MPSC obtém liminar para garantir preservação de casa que pertenceu a Vidal Ramos

Imóvel data do início do século XX e se encontra em estado de abandono. A liminar visa garantir a preservação do imóvel de valor histórico e arquitetônico para evitar o agravamento da deterioração e garantir condições para posterior restauração
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O casarão do início do século XX localizado no número 610 da Rua Frei Caneca, no bairro Agronômica, em Florianópolis, chama atenção pelo estado de abandono e deterioração permanente. Aberturas quebradas, paredes pichadas e parte do teto consumida por um incêndio que deixa o interior do imóvel exposto ao tempo e sujeito a invasões constantes de pessoas em situação de rua.

Uma medida liminar obtida pelo Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) em ação civil pública é o passo inicial para mudar este panorama. Dos balaústres da escadaria às esquadrias da janela, a casa que pertenceu a Vidal Ramos e sua família, além de relevância histórica e cultural, tem o potencial de ser uma referência arquitetônica em Florianópolis.

A ação foi ajuizada pela 28ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital após uma série de tratativas extrajudiciais infrutíferas para que a empresa proprietária do imóvel - a Construtora Santa Catarina LTDA. - promovesse as obras necessárias à preservação e restauração do imóvel em processo de tombamento - uma obrigação definida em lei.

De acordo com a Promotora de Justiça Analu Librelato Longo, após o início do processo de tombamento, em 2019, e vistoria realizada pela promotoria de Justiça juntamente com a empresa dona do imóvel e representantes da Prefeitura Municipal, foi verificada a degradação do imóvel e a necessidade de intervenção urgente.

Desde então, foram realizadas seis reuniões pelo Ministério Público, cinco delas com proposta de termo de ajustamento de conduta para a resolução do problema e restauração do imóvel histórico - sempre recusada pelos proprietários, alegando falta de condições financeiras.

Diante do impasse e da manutenção da situação que só agrava as condições do prédio, a Promotora de Justiça ingressou com a ação, que tem como objetivo final o restauro e conservação do imóvel e a concessão de medida liminar para evitar a total degradação até o julgamento do mérito da ação. Em caso de colapso da construção no curso do processo que não permita mais a restauração, a Promotoria de Justiça requer o pagamento de indenização de R$ 9,7 milhões, valor estimado do bem a ser protegido.

A medida liminar deferida pelo Juízo da 3ª Vara da Fazenda Pública da Comarca da Capital determina que a construtora - como requerido pelo Ministério Público - promova a adoção de medidas emergenciais para prevenir o colapso da edificação e realize obras para impedir novas invasões no imóvel.

A decisão judicial determina a construção de uma cobertura provisória, a vedação temporária e eficaz das edificações - são duas casas no terreno - e a instalação de placa informativa com a identificação do bem histórico no prazo máximo de 90 dias, sob pena de multa de R$ 1 milhão, a ser revertida para o Fundo de Reconstituição de Bens Lesados do Estado de Santa Catarina (FRBL).

Ao longo dos últimos anos a Promotoria de Justiça vem fazendo reuniões, ouvindo as dificuldades e a realidade dos proprietários dos bens tombados, e a partir disso, ancorados na resolutividade e na consensualidade, firmando termos de ajustamento de condutas para preservação desses bens. No caso desse casarão, não faltou disposição e abertura por parte do MPSC para chegar a um acordo. Mas, um acordo precisa da vontade de ambas as partes, o que não ocorreu. Então, buscando proteger esse bem tombado, usamos do meio mais caro e longo para resolver a situação, que foi a propositura da ação civil pública. Felizmente, a Magistrada percebeu a gravidade da situação e concedeu a liminar. Por mais que sejamos defensores da negociação, quando a outra parte se nega ou sequer atende aos convites de reunião, a judicialização se mostra como a única porta!, destaca a Promotora de Justiça.

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Valor histórico e arquitetônico

A casa de número 610 na rua Frei Caneca foi provavelmente construída entre 1910 e 1920 e pertenceu por gerações à família de Vidal Ramos, político que governou Santa Catarina de 1910 a 1914, além de ter sido deputado provincial, deputado federal e senador. Há relatos históricos de que ele tenha residido lá com seus filhos, dentre eles Nereu Ramos, único catarinense Presidente da República.

Trata-se de um conjunto de dois sobrados de estilo arquitetônico eclético, cuja presença constitui marco referencial de antigo caminho histórico de acesso ao interior da Ilha de Santa Catarina, indicado em mapas da cidade desde 1819, conforme citado na justificativa para o tombamento das edificações.

Esse traçado urbano, no Século XVIII, constituía um caminho que, contornando o Morro da Cruz, fazia ligação entre o Centro da cidade e a freguesia de Trás-do-morro, atualmente conhecida como Bairro Trindade, além dos fortins de São Francisco Xavier, São Luís e o Forte de Sant'Anna.

Além da importância histórica do traçado urbano, que fazia ligação do núcleo urbano da cidade com o interior da Ilha, as edificações objeto dos autos estão erguidas na região conhecida como antiga Chácara Gonzaga e guardam aspectos arquitetônicos de relevância cultural, compostos de elementos da arquitetura eclética, com pilastras com capitéis trabalhados, abertura com verga em arco plenos, dois tipos diferentes de plantibandas, entre outros.

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O dever de preservar

Entre os instrumentos legais de proteção e preservação do patrimônio histórico-cultural está o tombamento, efetuado por ato administrativo da autoridade competente. Realizado o tombamento, seja de modo provisório ou definitivo, ele passa a produzir efeitos, ficando proibida a destruição, demolição ou mutilação das coisas tombadas, assim como sua reparação, pintura ou restauração sem prévia autorização especial do órgão competente.

O casarão da Rua Frei caneca encontra-se protegido em razão da abertura do processo administrativo de tombamento (tombamento provisório), com notificação do proprietário. De acordo com a lei, a obrigação de conservar e reparar o bem tombado ou em processo de tombamento é do proprietário. A conservação implica a adoção de medidas tendentes à manutenção e preservação, enquanto a reparação importa na recuperação de um bem cultural danificado.

Em caso de comprovada carência de recursos para a conservação e reparação, e consideradas necessárias ou urgentes as obras, o ônus pode recair sobre o poder público. Nesses casos, o órgão tombador toma a iniciativa de projetá-las e executá-las, às suas expensas, observado o direito de regresso.

A norma legal impõe ao órgão tombador a responsabilidade pelo exercício de vigilância permanente sobre os bens tombados. Essa vigilância tem por objetivo prevenir a ocorrência de danos ou o surgimento de ameaças ao bem cultural protegido.

Assim, na ação da 28ª Promotoria de Justiça - ainda não julgada -, o Ministério Público requer que a empresa execute as obras de restauro e conservação completa do imóvel mediante a aprovação de projeto pelo Sephan ¿ o qual deverá ser apresentado em 60 dias e executado em até 180 dias da sua aprovação.

Em caso de colapso do imóvel que inviabilize a sua recuperação, a Promotoria de Justiça requer, além do pagamento de R$ 9,7 mil - o equivalente ao valor venal do imóvel - a redução dos parâmetros de construção para no máximo 50% da área construída da edificação atual em todo o lote.

O Ministério Público também pede que a Justiça determine ao Município de Florianópolis que promova a efetiva fiscalização do bem protegido, tomando as medidas cabíveis em caso de constatação de irregularidades e que, em caso de falta de condições financeiras do proprietário, promova as obras de restaura, nos termos da legislação.




Fonte: 
Coordenadoria de Comunicação Social do MPSC