03.03.2008

Uma lei que tornou uniforme a atuação do Ministério Público

Os Promotores de Justiça de Santa Catarina Pedro Roberto Decomain e Alex Sandro Teixeira da Cruz comentam os 15 anos da Lei Orgânica Nacional do Ministério Público.
O Promotor de Justiça de Santa Catarina Pedro Roberto Decomain é autor do livro "Comentários à Lei Orgânica Nacional do Ministério Público", publicado em 1996. O Promotor de Justiça de Santa Catarina Alex Sandro Teixeira da Cruz foi assessor da presidência da CONAMP e atuamente preside a comissão de acompanhamento legislativo do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais (CNPG). Os dois comentam os 15 anos da Lei Orgânica Nacional do MP na entrevista abaixo.
Qual a importância da Lei Orgânica nacional do MP para a Instituição?
Pedro Roberto Decomain - A lei dispõe sobre vários temas relevantes, que dizem respeito tanto à organização quanto ao funcionamento do Ministério Público. É importante, inclusive, porque confere a todos os Ministérios Públicos dos Estados um perfil uniforme, nos pontos essenciais, o que serve bem a destacar e confirmar o caráter nacional do Ministério Público.
Alex Sandro Teixeira da Cruz - A lei federal 8.625, de 1993, foi de extrema relevância, tendo em vista que, inaugurada a nova ordem constitucional, em outubro de 1988, tornou-se necessária a adequação do Ministério Público ao perfil institucional que lhe atribuiu a nova Carta. A partir de 1988, houve significativa ampliação do espectro de atuação do Ministério Público brasileiro, sendo-lhe cominada constitucionalmente a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, o que tornou necessária a modernização orgânica do Parquet para fazer frente à ampliação de suas atividades. Nesse contexto, a lei 8.625 introduziu, no âmbito do Ministério Público dos estados, a instrumentalização necessária para que pudéssemos responder satisfatoriamente aos reclamos oriundos do novo desenho institucional, entre outros aspectos reafirmando em favor da instituição a necessária autonomia nos planos funcional, administrativo e financeiro. Isso, sem dúvidas, constituiu-se no elemento propulsor do fortalecimento do Ministério Público, consolidando-o na atualidade como o principal agente na defesa dos interesses sociais.
E para o cidadão?
Decomain - O Ministério Público recebeu diretamente da Constituição Federal de 1988 uma série de incumbências da maior relevância, na perspectiva dos direitos dos cidadãos. Tanto direitos individuais quanto, principalmente, direitos sociais, que devem ser propiciados pelo Estado. Assim, cabe-lhe velar pelo correta prestação de serviços públicos essenciais, como saúde e educação, por exemplo. Além disso, cuida da defesa de direitos difusos e coletivos, como aqueles relacionados ao meio ambiente e ao consumidor. Responsabiliza também fraudadores do fisco, na esfera criminal. Todas essas atividades há algum disciplinamento na Lei n. 8.625/93. Daí a sua importância também para o cidadão.
Teixeira da Cruz - Em verdade, todas as grandes nações (não apenas no plano econômico, mas principalmente nas variáveis de desenvolvimento humano) se constroem através de bases institucionais bem assentadas. Trata-se de fator determinante para o aprimoramento da cidadania e para a prevalência da dignidade humana como princípios indeclináveis. Creio que, dentro dessa ótica, o Brasil das duas últimas décadas, malgrado todos os percalços e equívocos políticos, e mesmo que ainda tenhamos um passivo social vultuoso a ser resgatado, tem evoluído. E, por certo, parte significativa dessa evolução é devida ao trabalho desenvolvido pelo Ministério Público. A Instituição, de um modo geral, mesmo que nos deparemos, às vezes, com alguns exageros e excesso de exposição desnecessários, tem sabido honrar a outorga conferida pelo constituinte e reafirmada pela Lei Orgânica. Hoje, além da histórica defesa social contra a criminalidade (na qual forjamos nossa raiz), atuamos no resguardo das novas gerações de direitos, desenvolvendo ações concretas e influindo de maneira significativa na introdução de políticas públicas relativas a essas áreas, tudo isso gerando reflexos absolutamente positivos em favor do conjunto geral da cidadania.

De que forma a Lei Orgânica Nacional do MP assegurou a independência funcional da Instituição?
Decomain - A independência funcional dos membros do Ministério Público é consagrada também pela Constituição Federal, através das garantias da vitaliciedade e da irremovibilidade, além da irredutibilidade do subsídio. A lei n. 8.625/93 cuida desse tema e também da autonomia administrativa e funcional propriamente dita. Pela autonomia funcional, o Ministério Público não sofre interferências de outros órgãos no desempenho de suas funções, e nem cada qual dos Promotores e Procuradores de Justiça.
Teixeira da Cruz - Até outubro de 1988, o Ministério Público era apenas um apêndice do Poder Executivo. Embora desde 1981, quando da edição de nossa primeira Lei Orgânica Nacional, a lei complementar nº 40, e, depois, em 1985, com a edição da lei 7.347 (Lei da Ação Civil Pública), tivéssemos experimentado razoável avanço institucional, foi somente com a Constituição atual que conquistamos um espaço próprio dentro da organicidade estatal brasileira. Mas ainda havia uma lacuna: o texto constitucional, no inciso 2º do artigo 127, consagrara à instituição, de maneira expressa, apenas autonomia funcional e administrativa, nada mencionando sobre a financeira.
Isso nos obrigava a interpretar sistemática e teleologicamente o texto magno, visando a obtenção de resultado hermenêutico extensivo, para também albergar a autonomia financeira, mas sempre sob o risco de eventual questionamento perante os tribunais acabar impondo limitação em nossa independência, caso o resultado pretoriano viesse a ser meramente declarativo, reconhecendo apenas a autonomia nas fronteiras explicitadas na Constituição. Daí a importância, nesse aspecto, da lei 8.625, que, no artigo 3º, consagrou expressamente, ao lado das demais, também nossa autonomia financeira. Isso nos permitiu gerir, agora sem o risco de infortúnios exegéticos, os recursos havidos através de nossa dotação orçamentária, o que, sem dúvidas, é de fundamental importância para o cumprimento de nossos propósitos institucionais.


Por que foi necessário a edição dessa Lei Orgânica Nacional, uma vez que já existia a Lei Complementar nº 40, de 1981?
Decomain - Além de conter regras detalhando diversos preceitos constitucionais e disciplinar, inclusive, o funcionamento básico das carreiras do Ministério Público, a relativa uniformidade resultante da observação, por todos os Ministérios Públicos Estaduais, das mesmas regras básicas, permite confirmar o caráter nacional da instituição, o que é de grande relevo.

Teixeira da Cruz - A necessidade de uma nova Lei Orgânica se deu, como antes falado, em face do novo perfil do Ministério Público brasileiro desenhado pelo constituinte de 1988. Embora a lei complementar nº 40, em 1981, tenha constituído um marco em nossa história institucional, e, ademais, haja cumprido relevante papel na construção do Parquet tal qual o conhecemos hoje, tornou-se imprescindível, a partir de 1988, nidar o Ministério Público segundo o molde concebido pelo novo texto constitucional. Éramos, a partir dali, uma instituição independente, com desideratos de extrema relevância definidos na Carta e que, portanto, demandava a outorga dos mecanismos imperativos para o desempenho de seu papel. Por isso, observamos que a lei 8.625 não acarretou mera adaptação do Parquet erigido da antiga lei complementar. A nova lei, verdadeiramente, imergiu no detalhamento orgânico da instituição, fazendo nascer um novo Ministério Público, organizado, estruturado e instrumentalizado em consonância com a nova formatação trazida em 1988, privilegiando, nesse contexto, sua autonomia institucional e a independência de seus órgãos de execução.
Qual a avaliação que o senhor faz sobre a evolução da Instituição MP ao longo dos 15 anos da Lei Orgânica Nacional?
Decomain - O Ministério Público vem conseguindo desempenhar satisfatoriamente o seu papel de defensor dos direitos individuais indisponíveis e dos direitos sociais, inclusive os difusos e coletivos. Ainda existe considerável espaço para incremento da atuação, mas o empenho da Instituição na defesa da observância de tais direitos tem produzido bons frutos, tanto no âmbito cível, quanto criminal.
Teixeira da Cruz - Indubitavelmente, o saldo é muito positivo. Operamos nossas atividades fundamentalmente em duas frentes: A primeira, extrajudicial, através da qual procuramos equacionar as questões enfrentadas priorizando o consensualismo, buscando adequar as soluções ao possível em cada situação. Tal prática, na esfera cível, tem sido bem manejada através dos Termos de Ajustamento de Conduta, instrumento de extrema importância e do qual temos cada vez mais lançado mão, em virtude de fatores como celeridade, abrangência e dinamismo na solução dos problemas; na esfera criminal, embora restrita, como regra, a infrações penais de menor ofensividade, a transação penal é mecanismo que demanda aperfeiçoamentos, mas que, se bem utilizada, pode funcionar como rica ferramenta de combate à impunidade.
Na via judicial, contudo, enfrentamos problemas que se encontram fora de nosso estrito alcance, o que tem contribuído para que os resultados, notadamente na área cível, ainda sejam tímidos. São processos de grande complexidade, que têm seu curso definido por regras processuais tortuosas, permeadas por infindáveis recursos e estratégias procrastinatórias. Tudo isso gera retardo em demasia na solução das contendas, o que, evidentemente, não corresponde aos interesses da sociedade e da nação como um todo. Nesse aspecto, é preciso cada vez mais lutarmos para que as instâncias decisórias da República tenham consciência da necessidade de reformas e, mais do que isso, que abdiquem de legislar em nome de interesses meramente corporativos.Por isso, é preciso estarmos em constante vigília.
Nossa instituição, por tudo o que construiu em todos esses anos, passou a ser alvo de intensas e graves investidas por parte daqueles que, de uma ou outra forma, atingidos por suas ações, vislumbram no retrocesso orgânico e institucional do Ministério Público a única forma de aplacamento de suas angústias. Se, de um lado, precisamos ter a consciência de que os exageros, a pirotecnia e, por vezes, até mesmo a leviandade, devem ser evitadas, por outro é imperioso que, por nós próprios, ou por nossas representações classistas e institucionais, tenhamos a atenção redobrada para a manutenção de nossas conquistas (que são reflexamente do conjunto da cidadania) e, dentro do possível, também para a ampliação de nossos horizontes. Se fizermos corretamente a "lição de casa" e atuarmos com dignidade e equilíbrio, certamente continuaremos a transpor todas as barreiras e a inscrever nosso lugar na história.
Fonte: 
Coordenadoria de Comunicação Social do MPSC